segunda-feira, 16 de março de 2009

3 - Outras Histórias.

TALCO FRANCÊS.

Aqueles barbeiros que formaram seus salões e junto com eles trouxeram ferramentas, alguns perfumes e loções. Nessa miscelânea cultural entre eles e os fregueses, criaram um ditado popular após o término de raspar a barba e perguntavam ao freguês o que passar no rosto para aliviar a pele recém escanhoada:
__“Arco ô tarco”, ou seja, álcool ou talco? E o freguês respondia:
__É “Vérva”, quer dizer, a água vélva. (a loção pós-barba).
Assim “Tuli” comentava:
__Meu avô quando veio da Itália trouxe um frasco de talco francês e um frasco de álcool italiano, a cada corte de cabelo concluído ao espanar os cabelos repicados, ele acostumou dizer “talquinho francês e alquinho italiano”. Nisso meu pai, eu e meu irmão Aldo acostumamos com o velho provérbio: “talquinho francês e alquinho italiano”, mas isso já era o nacional porque os produtos estrangeiros já haviam acabado há décadas. Continua “Tuli” - há uns tempos atrás eu estava no salão quando apontou na porta um casal, era o freguês que fora atendido sozinho há pouco mais de duas horas e retornou junto com a sua esposa no salão, lá da rua eu ouvia os dois conversando, pelo tom e o sentido de voz ele tentava convencê-la do talco e ela demonstrava não acreditar, queria conhecer o barbeiro e o talco. Os dois pararam na porta e antes de me cumprimentarem o freguês já foi logo dizendo:
__Fala para ela “Tuli” que é o “talquinho francês”, ela não está acreditando. Antes que eu falasse para a mulher que estava com um semblante desconfiada, porém num tom de voz calmo após cheirar o talco e conferir o mesmo perfume ela me perguntou:
__O talco do senhor é muito cheiroso, ele é francês mesmo? Com um sorriso sincero respondi:
__Não, eu comprei ali no supermercado Brasil, é costume desde meu avô a gente dizer “talquinho francês”. Tentando se demonstrar convencida, para disfarçar ela agradeceu a indicação do talco e pediu desculpas. Logo o casal deu as costas seguindo seu destino.



OUTRO adendo sobre Giacomo na obra de Mário Mourão é sobre o Bijou - Salão, o primeiro cinema onde é o atual edifício Bauxita, além de cinema era um longo salão de jogo. “À noite entre as pessoas de fora, na mesa da campista eram encontrados o Capitão Zeca, o Tenente Augusto e o Giacomo Pasculli, um conhecido e popular barbeiro que ia todas as noites buscar 20 mil réis, o que sempre conseguia acompanhando as cartas, que negavam. Quando a freguesia era de futuro e não havia lugar na mesma, o Nico chamava-o, corria-lhe os 20 mil réis e retirava-se o Giacomo todo satisfeito”.



OUTRA passagem citada sobre Giacomo foi num artigo “Galos e Galinhas” de Jurandir Ferreira no Jornal Diário de Poços de Caldas, em que o autor escreve sobre os enlaces e entraves da vida conjugal, para concluir seu texto ele comenta que na manhã do dia de seu casamento ele foi ao salão dos Pasculli para fazer a barba e o barbeiro Giacomo lhe passava algumas considerações sobre a vida matrimonial:
__Na minha terra – me disse ele - se da uma surra na mulher logo de entrada.
__ Sim, para se fazer respeitado, lhe disse eu.
__No! Per essere Amato! Quando não apanha, a esposa também acha que o homem não a ama bastante.





PRESENTE PARA A APOSENTADORIA.

Os antigos donos das lojas As Casas Pernambucanas, os dois irmãos Ludings, Asken e o Artur eram fregueses do meu pai, comenta “Tuli” e o Aldo, cada um pagava um salário mínimo no corte de cabelo.
Teve um dia que meu pai estava cortando o cabelo do Artur, no momento em que chegou o contador Azir Monteiro com o valor que meu pai deveria recolher de INPS (nome da época da instituição da previdência) para se aposentar, pois naquele ano o governo presidencial do Jânio Quadros criou a política econômica vigente da época, como uma anistia aos devedores da previdência que poderiam recolher todo o débito atrasado de uma só vez para se aposentarem. Quando o Azir apresentou as notas ao meu pai, ele quase caiu das pernas de susto devido o alto valor. Artur desencostou da cadeira com aquele sotaque alemão “aportuguesado” e disse:
__”Deixa me verr”. Enquanto meu pai choramingava pelo preço, Azir passou o papel ao alemão, ainda que sentado na beirada da cadeira, Artur levantou-se da cadeira calmamente, preencheu o cheque no valor da dívida e entregou ao meu pai dizendo:
__Vai se aposentar, você merece é de presente! No mesmo instante meu pai não sabia se recusava para fazer um pouco de mimo, se agradecia ou se desmaiava, meio abobalhado entregou o cheque ao contador que repassou os documentos todos ao INPS adquirindo o benefício da aposentadoria. O Artur nunca comentou nada do assunto para receber nem um centavo como ele mesmo disse, foi de presente.
Meu pai trabalhou até seus 77 anos de idade, o último cabelo que ele cortou inda trabalhando diariamente foi do neto do Artur.






MOTORISTA NAVALHA.

As piadas sobre o barbeiro como mau motorista já virou costume das pessoas usarem o termo de navalha, após algumas serem contadas nas rodas de bate-papo o Sr. Orandir, nascido e criado na cidade de São Paulo na década de 1930 comentou:
__Meu pai era italiano e barbeiro, sabe porque dizem que o mau motorista é considerado barbeiro, ou chamado de navalha? Pensando que viesse outra piada os integrantes na roda de conversas perguntaram com tom de voz cômico:
__Não, por que? Ele respondeu:
__Acontece que aqueles primeiros carros bem antigos o sistema de engrenagens era muito seco, no momento de mudar de marcha era preciso debrear duas vezes e mesmo assim tinha de ser num tempo exato, caso o motorista não fosse meticuloso e sensível em perceber o tempo exato que o motor exigia a marcha para a velocidade adequada, o câmbio dava demonstração de ter raspado e nisso essa raspada era comparada à raspada da navalha ao rosto do freguês quando o barbeiro estava cortando a barba, porque a navalha mal afiada não desliza perfeitamente, ela faz um barulhinho de raspagem.

DIVÃ.

Após tomar o tradicional café preto, somente café. Volto para a barbearia onde está meu pai cortando o cabelo de um velho freguês, sento em minha cadeira e percebo por alguns instantes a paz que reina tranqüilamente naquele ambiente, o silêncio só é quebrado pelos tac-tacs produzidos pelo movimento mecânico friccionado na tesoura. Olho para o reflexo do espelho e vejo dois senhores, como as marcas do tempo são implacáveis nas rugas e nos cabelos grisalhos, mas não se abatem por nenhum cansaço, pelo contrário carregam uma bagagem de experiência da vida.
Dali alguns instantes meu pai rompe o silêncio ao iniciar um assunto com o freguês, aos poucos a conversa vai se afirmando numa prosa que começa a ganhar força e equilíbrio, como aquela criança que está aprendendo a andar de bicicleta. Mais a vontade, aquele senhor, velho freguês há mais de vinte anos começa a comentar sobre seu filho de vinte e poucos anos de idade, sabendo que meu pai o conhece bem pois cortou-lhe o cabelo desde criança. Continua o freguês num desabafo tão íntimo e a vontade para seu barbeiro como um velho amigo ao narrar os desagrados que tem passado nos últimos meses com o filho, por motivos de uso de drogas e bebidas além do desrespeito com ele, o pai.
Quando meu pai passa o espanador no rosto e no pescoço do freguês para ir limpando os cabelos repicados, ao mesmo tempo vai tirando a capa como término do corte e ouvindo com toda a paciência o freguês que não para de desabafar, pois é um momento à vontade de ter um ombro amigo para chorar, esse freguês continua falando aproveita e pede para raspar sua barba. Olho para seu rosto e percebo que é uma barba de um dia, rotina que não é de seu costume estar barbeado diariamente.
A cadeira reclinada na posição de raspar a barba, meu pai corre o pincel ensaboando bem o rosto numa espuma branca como se fosse barba de papai Noel, assim como muitas crianças relembram quando vêem a espuma do sabão, a navalhete desliza suavemente numa pele quase sem braba nenhuma, em total silêncio como se eu não estivesse ali. Olho pelo reflexo do espelho e vejo os olhos daquele freguês lacrimejantes. O freguês volta a desabafar sobre seu filho, os problemas com álcool, drogas, polícia e desagrado a ele e sua esposa.
A todo ouvido e experiente no ramo, meu pai logo cita um outro exemplo de filho que dava o mesmo problema aos pais, porém já se regenerou parou com os vícios e está em paz com sua família.O freguês pára de falar quando começa a chegar outros fregueses cada um falando de assuntos diferentes: piadas, futebol, jogo de bichos, etc. Meu pai experiente e discreto percebe o momento da discrição daquele freguês em manter o assunto com intimidade somente ao seu barbeiro, que entra nos assuntos dos outros fregueses para não constranger aquele que está em sua cadeira sendo atendido. A barba que já está no final, o freguês se levanta da cadeira, paga pelo serviço, agradece duas vezes. Creio eu que uma vez de agradecimento é pelo trabalho e o outra vez é pela atenção. Ele se despede caminhando em passos lentos e demonstra estar com a cabeça mais leve.

A INFLUÊNCIA DO COMPORTAMENTO SOBRE DO CABELO.

Amanheceu uma segunda-feira com a temperatura amena, e seca, iniciando a última semana da estação de inverno. Normalmente a segunda-feira é considerada o dia da preguiça, ainda mais com a influência do clima. Logo que abro as portas da barbearia chega os clientes e também os amigos de bate papo diário, com sérios comentários sobre a rodada de futebol de domingo a tarde do dia anterior, e lá se vão crescendo as discussões sobre aquela jogada, o gol duvidoso, o pênalti não marcado, a expulsão incorreta. E tudo quanto é assunto que mantêm o calor no agrupamento da rodinha séria e fiel aos seus conceitos. Meu pai o barbeiro, entre uma de suas falas que contribuem para a sustentação do ambiente, a cada tesourada na mexa de cabelo, percebe que seu cliente sente ciúmes em não dirigir total atenção de rosto virado para ele na hora da fala. Nesse meio de tempo estou atendendo outro cliente que reclama de seu cabelo estar amassado e difícil de assentar, além da barba crescida de três dias aparentando mal humorado.
Passado aquele período da manhã, a aparência do cabelo não se assentar bem, repete com outras pessoas no período da tarde, com as mesmas reclamações, somente pelo simples prazer de reclamar. Chega a noite é hora de fechar a barbearia comento com meu pai sobre as queixas dos fregueses. Pela experiência de quarenta anos de tesoura, meu pai comenta calmamente:
__É assim mesmo no dia de folga, geralmente no fim de semana que a pessoa come muita comida pesada e gordurosa no parece que pesa no fígado, fazendo-lhe ficar mal. Parece que o cabelo acompanha o estado físico e emocional da pessoa, nessas condições dá mais trabalho para fazer aquele corte bem acabado.

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